sábado, maio 26, 2007

O resto da cara.

O sono mal-dormido de quem leva sempre em conta a conversa dos pernilongos o impedia de concentrar-se o bastante no café para que não queimasse na primeira sorvida todas as papilas gustativas relevantes. Patrick deu o gole que o privaria durante todo o dia de sentir qualquer gosto. Prontamente tomou firme o copo entre as duas mãos para associar a estupidez de sua pressa à sensação desagradável dos dedos queimando e, concluído o procedimento neo-pavloviano, depositou novamente no balcão o copo já alguma fração de grau mais morno. A última semana tinha lhe sido bem educativa. Num lampejo de memória vieram-lhe a mente pelo menos outras três ou quatro experiências de condicionamento pró-ativo. Meio vagamente, lembrou-se do shampoo que, tendo escapado de suas mãos em função da economia de um movimento do quadril durante o banho, espatifou-se no chão, motivando-o a, para reeducar-se, recolher os primeiros pedaços fazendo dos pés estranhas mãos com palma inchada e dedos curtíssimos.
Do outro lado do balcão, na peça de alumínio escovada que emoldurava a chapa de cozinhar, divisava de si uma desbotada imagem sem foco. Mas concentrou-se bastante para detectar se os cabelos ainda compunham algo coerente com o resto da cara e concluiu que, neste dia em particular, isso não aconteceria em momento algum. E isto estava já se tornando recorrente. Preocupante.